Unidade dos cristãos

Escola do Torne

Em 20 de Janeiro de 1981 — há 40 anos, portanto — fiz, pela primeira vez, uma homilia na igreja do Torne, na semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

Apresentei-me, dizendo assim: «Quantas vezes, desde miúdo, desci esta Avenida de Gaia e reparei nesta pequena igreja que sempre me foi dita sectária, se não pior! Mas hoje é possível, Irmãos! O Senhor fez maravilhas e a sua Obra é esta: subo a este púlpito não por favor ou deferência, mas porque estou em casa de Irmãos, e em casa de Irmãos eu sou Presbítero da Igreja de Deus.
E esta alegria que me enche quero testemunhar-vo-la porque é maior que eu, porque é fruto da Obra do Espírito de Deus».

Não me lembro já bem de como as coisas começaram. Lembro-me, sim, que um dia, não sei se atemorizado se atrevido, bati à porta do Rev.o Guedes Coelho, presbítero da Igreja do Torne, que eu não conhecia nem nunca tinha visto… e foi amor à primeira vista. Não recordo quanto tempo mediou entre o nosso primeiro encontro e o tal dia 20 de Janeiro de 1981. Mas o resto, daí prá frente, mais ou menos, muitos conhecem.

Eu disse, daqui mesmo, nesse dia:
«A Unidade é para a Igreja o que a Liberdade é para o Homem. Sem a Liberdade, o Homem está mutilado e oprimido; sem a Unidade, a Igreja está partida, fraturada, dividida nos seus membros. Mas, assim como o organismo reconstrói a unidade relativamente ao braço partido, consolidando-o e restituindo-lhe capacidades, assim a Igreja fraturada reconstrói a Unidade embora o seu refazer seja longo e doloroso (é talvez necessário pôr “gesso”!); mas a Unidade refaz-se. A Unidade é uma vocação da Igreja, é uma tarefa para a Igreja, tarefa e vocação de toda a Igreja, não só nem principalmente das hierarquias.

Porque construir a Unidade é ser fiel à vocação batismal, tanto quanto o perder a Unidade foi a consequência de processos históricos, e sempre mútuos, de pecado e infidelidade; construir a Unidade é ser fiel à vocação batismal: “procedei de um modo digno do chamamento que recebestes… suportando-vos uns aos outros no amor esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz” (Ef 4,1-3). Por isso, aquela palavra de Paulo “um só Senhor, uma só Fé e um só Batismo” (Ef 4,5) é a nossa condição mas também a nossa tarefa.

Por paradoxal que pareça, condição e tarefa. Condição porque efetivamente todos quantos estamos aqui reunidos em oração reconhecemos como Senhor unicamente a Jesus de Nazaré. Nesta fé nos reunimos, marcados que estamos pelo Batismo, o Sinal da Água e do Espírito. Mas é também a nossa Tarefa porque essa é a vontade do Senhor, “Que eles sejam um” (Jo 17,11)! Será que ele sabia que a unidade é quase sempre?, muitas vezes? algumas só?, um impossível? Como é no casal?, nas famílias?, nos grupos?, nas comunidades?, entre os amigos?, dentro da mesma nação e entre as nações? A unidade é um impossível?, é algo que necessariamente se perde?, ou algo que necessariamente se constrói? Se quereis a minha opinião, não sei. Mas julgo que é sobretudo algo que o homem constrói, ou algo com que o homem responde ao dom de Deus. Daqui a dificuldade da unidade, seja ela qual for. Só quem provou o amargo da desunião é capaz de saborear a unidade».

Passados 40 anos…

  1. “Sempre que dois ou três se reunirem em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20) foi o tema genérico da Semana de Oração que se celebrava naquele ano de 1981. Foi nisto que acreditámos, o Rev.o Guedes Coelho e eu. Não quisemos fazer nada de especial, muito menos dar nas vistas, mas no mínimo, rezar apenas o Pai-nosso em conjunto uma vez por mês. Se é muito, se é pouco…

2. “Também vós deveis lavar os pés uns aos outros” (Jo 13,14). Foi este grande gesto que Jesus assumiu com espanto repulsivo do próprio Pedro. Os modernos consideraram o lava-pés uma cerimónia da Semana Santa. Mas não. S. João conta que Jesus “deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos”, e Mateus, Marcos e Lucas acrescentam “fazei isto — o pão e o vinho — em memória de mim” (Mc 14,22; Mt 26,26; Lc 22,20).
Tudo isto diz da importância do lava-pés na memória das Igrejas. Na Eucaristia, sentados à mesma mesa, os Irmãos partiam e comiam o Pão e bebiam o Vinho, em memória de Jesus (Lc 22,19); mas lavar os pés uns aos outros, (isso sim!) é fazer o que ele fez e como ele fez.
Pensávamos chegar lá. Mas não: ainda andamos por cá.
O meu amigo Guedes Coelho morreu, andava eu por Espanha, soube-o muito mais tarde. Chorei-o por lá.